O momento do parto é um dos momentos mais esperados por uma mãe que, após nove meses de preparações, consultas, exames, irá finalmente segurar seu filho em seus braços.
Todavia, desde que foi decretada a situação de emergência sanitária por conta do covid-19, este momento tornou-se uma das maiores preocupações para as genitoras. Isto por que, diversos hospitais estão proibindo a entrada de acompanhantes e familiares durante e após o parto, permitindo somente uma única visita (preferencialmente do genitor) no pós parto.
Deste modo, a genitora ficaria impossibilitada de levar qualquer acompanhante e teria que enfrentar sozinha este momento. Mas será que isto é certo? O genitor não possui direito em participar deste momento especial para família?
Pois bem, em tempos normais, sem a existência de uma doença infecciosa assolando nosso País, não hesitaríamos em afirmar que as grávidas possuem o direito assegurado de ter um acompanhante o no pré, durante e no pós-parto. Ocorre que, em meio a uma situação emergencial é necessário ter uma cautela e imprescindível analisar cada caso em concreto.
Conforme dito, no Brasil há a Lei Federal nº 11.108/2005, mais conhecida como a Lei do Acompanhante, determina em seu artigo 19J que os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. A Lei determina que este acompanhante será indicado pela gestante, podendo ser o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, um(a) amigo(a), ou outra pessoa de sua escolha.
Para quem possui plano de saúde a ANS também pela regulariza a mesma situação, conforme se verifica pelo artigo 23, inciso primeiro da RN n. 428/2017:
Do Plano Hospitalar com Obstetrícia
Art. 23. O Plano Hospitalar com Obstetrícia compreende toda a cobertura definida no art. 22, acrescida dos procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto e puerpério, observadas as seguintes exigências:
I – cobertura das despesas, incluindo paramentação, acomodação e alimentação, relativas ao acompanhante indicado pela mulher durante:
a) pré-parto;
b) parto; e
c) pós–parto imediato, entendido como o período que abrange 10 (dez) dias após o parto, salvo intercorrências, a critério médico;
(…)
Todavia, conforme já ressaltado, essas previsões possuem eficácia plena em situações normais. O Brasil vive atualmente uma situação de anormalidade em que, quanto menos pessoas circularem pela rede hospitalar, menor será o índice de propagação da doença.
Isto por que, a principal preocupação com o coronavírus é justamente pela velocidade com que o vírus se propaga. Deste modo, a intenção dos hospitais que restringem ou até impedem a rotatividade de pessoas em seus entornos é, justamente, evitar a propagação da doença.
No entanto, não nos parece crível que a melhor solução, para o caso das mulheres grávidas, seja vedar o acompanhamento do genitor ou de outra pessoa indicada pela gestante.
Isto por que, o acompanhante auxilia no estado emocional da genitora, lhe trazendo segurança, tendo a certeza de que suas vontades serão respeitadas. Diversos médicos afirmam que a cumplicidade entre o casal, remedia a sensação de estar apenas em meio a estranhos, garantindo a humanização do parto.
Acreditamos que existem outras medidas possam ser tomadas pelos hospitais, como impor vedações as visitas – neste caso, os avós, que muitas vezes fazem parte do grupo de risco, teriam que esperar um pouco mais para ter o primeiro contato com os netos. Exigir protocolos de limpeza e higiene da genitora e do acompanhante. Indicar a necessidade de quarentena para o acompanhante, genitora e para o recém- nascido e, até mesmo, proibir a presença de acompanhante que faça parte do grupo de risco.
Portanto, defendemos que existem diversas outras medidas que possam ser adotadas e que a restrição de qualquer acompanhante da genitora durante o parto afronta diretamente um compilado de normas jurídicas, tais como leis federais, estatutos e normativas.
Verifica-se, que tal medida contraria a orientação pela OMS:
“As normas da Organização Mundial de Saúde (OMS) destacam que uma experiência de parto segura e positiva inclui tratamento digno e com respeito, acompanhante de escolha presente durante o parto, comunicação direta e clara pela equipe de maternidade, estratégias apropriadas de alívio da dor, mobilidade no trabalho de parto, se possível, e posição de nascimento de sua escolha. Em caso de suspeita ou confirmação de COVID-19, os profissionais de saúde devem adotar todas as medidas de precaução para reduzir os riscos de infecção”
Recomendações de novas regras para acompanhantes na hora do parto também foram emitidas pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES). O direito de acompanhante assegurado por lei continua valendo. No entanto, é necessário levar em conta alguns fatores relacionados ao vírus, conforme nota emitida pelo SES:
“Cada gestante tem direito a um acompanhante, desde que não esteja com sintomas gripais”.
“Além disso, as pacientes são orientadas a dar preferência a acompanhantes fora dos grupos de risco para Covid-19. Se gestante tiver uma doula, terá que escolher entre ela ou seu parceiro ou acompanhante.”[1]
O Estado do Paraná ainda não alterou seu entendimento, prevalecendo por ora o descrito na lei nº Lei Nº 20127 DE 15/01/2020, em seu art. 2º, II:
Art. 1º Altera o inciso VII do art. 3º da Lei nº 19.701 , de 20 de novembro de 2018, que passa a vigorar com a seguinte redação:
VII – o parto adequado, respeitadas as fases biológica e psicológica do nascimento, garantindo que a gestante participe do processo de decisão acerca de qual modalidade de parto atende melhor às suas convicções, aos seus valores e às suas crenças;
Art. 2 º Acresce os §§ 1º, 2º, 3º e 4º ao art. 3º da Lei nº 19.701, de 2018, com a seguinte redação:
1º O parto adequado mencionado no inciso VII deste artigo é aquele que:
I – promove uma experiência agradável, confortável, tranquila e segura para a mãe e para o bebê;
II – garante à parturiente o direito a ter um acompanhante durante o parto e nos períodos pré-parto e pós-parto;
III – respeita as opções e a tomada de decisão da parturiente na gestão de sua dor e nas posições escolhidas durante o trabalho de parto.(NR)
2º Nas situações eletivas, é direito da gestante optar pela realização de cesariana, desde que tenha recebido todas as informações de forma pormenorizada sobre o parto vaginal e cesariana, seus respectivos benefícios e riscos, e tenha se submetido às avaliações de risco gestacional durante o pré-natal, na forma do inciso I deste artigo.
3º A decisão tomada pela gestante deve ser registrada em termo de consentimento livre e esclarecido, elaborado em linguagem de fácil compreensão, de modo a atender as características do parto adequado.
4º Para garantir a segurança do feto, a cesariana a pedido da gestante, nas situações de risco habitual, somente poderá ser realizada a partir da 39ª semana de gestação, devendo o registro em prontuário.
Art. 3 º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Palácio do Governo, em 15 de janeiro de 2020.²
Verifica-se que a norma estadual em vigor privilegia a presença do companheiro nos períodos pré-parto, parto e pós-parto.
Cumpre-nos mencionar ainda que, não existe estudo que demonstre que o acompanhante possa trazer outros riscos de contaminação, seja para o recém-nascido, seja para a equipe médica. Isto por que existem medidas sanitárias que podem ser utilizadas, como o uso de máscaras, toucas e roupas que possam ser higienizadas.
Importa abrir um parêntese, e elucidar a importância de se evitar contagio pelo COVID19, e que para tanto deve-se limitar aglomeração de pessoas, e principalmente aquelas do grupo de risco.
Hospitais indicam que nas semanas antecedentes ao parto, tanto a genitora quanto o acompanhante devem evitar qualquer contato com a família, permanecendo em isolamento.
Caberá, ainda, aos genitores o bom senso de se analisar a situação vivenciada, segundo infectologistas, levar um acompanhante que recentemente esteve gripado ou que não tenha cumprido adequadamente a quarentena, não é recomendável. De igual forma, não é recomendável que o acompanhante faça parte do grupo de risco.
Ante o exposto entendemos que, mesmo diante de um cenário de pandemia viral, o hospital ou ente público que venha a negar a presença de um acompanhante à genitora no momento do parto, estaria violando os direitos da parturiente de acordo com a legislação vigente.
Por óbvio que será necessário manter os mesmos cuidados de higienização já praticados, em conjunto com o acompanhamento neonatal, e a informação quanto ao risco em caso de sintomas de gripe.
O QUE FAZER SE O HOSPITAL EM QUE PROGRAMEI O PARTO NÃO PERMITIR A ENTRADA DE ACOMPANHANTES:
A mulher, antes do parto, deve se prevenir com relação à possibilidade de o hospital não aceitar um acompanhante e, para isso, deve entrar em contato com o hospital, enviando um ofício e indicando a pessoa que será o acompanhante.
Importante manter a calma e tentar resolver a situação de forma administrativa. A ouvidoria do hospital deve ser acionada caso o ofício retorne com uma negativa. O médico também pode contribuir para uma tratativa junto a diretoria do hospital.
Caso o pedido não seja aceito, a genitora deve formalizar uma queixa no Ministério Público de sua cidade ou ligar para a Ouvidoria Geral do SUS, no número 136. Ou de seu plano de saúde – tendo em vista que a ANS também assegura o direito a gravida de ter um acompanhamento durante o parto, conforme a NR 428/2017.
CUIDADOS:
De acordo com o Fundo de População da ONU, as mulheres grávidas devem tomar as mesmas precauções para evitar infecções recomendadas para todos os adultos, como evitar contato próximo com qualquer pessoa que esteja tossindo ou espirrando; lavar as mãos com frequência com sabão e água, ou utilizar álcool em gel, cobrindo a boca e o nariz com um lenço ou o cotovelo quando tossir ou espirrar; e cozinhar completamente carnes e ovos. Todas as recomendações estão disponíveis no site da OMS.
Separamos, ainda, uma reportagem que contém um quizz de perguntas e respostas para auxiliar os envolvidos neste momento, acesse:
Luiz Antonio Boniotti
Advogado, Associado do Bin Advogados. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Positivo (UP/PR). Pós-Graduando em Direito Médico pelo Complexo de ensino Renato Saraiva (CERS).
Edelira Larissa Rueda Machado
Advogada, Associada do Bin Advogados Associados. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Pós Graduanda em Compliance e Integridade Corporativa pela (PUC-MG). Pós Graduanda em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR).